“Todavia, nem o homem é sem a mulher...”.
(I Coríntios 11:11, Bíblia Sagrada)
Ela estava lá desde o começo, em Action
Comics # 1, lutando por justiça, verdade e se
metendo nas mais mirabolantes encrencas para,
logo em seguida, ser salva pelo Homem de Aço.
Intrépida, atrevida e atraente, Lois Lane é, sem
dúvida, a mais importante personagem coadjuvante
das histórias do Superman desde junho de 1938.
Segundo o mito de John Byrne (O Homem de Aço,
1986) e o de Mark Waid (O Legado das Estrelas,
2003), foi ela quem apelidou aquele homem voador
de Metrópolis de Super-Homem. Filha do general Samuel Lane, Lois sempre foi bastante agitada e enérgica, mesmo nas versões mais
antigas, como consequência de sua educação rígida e, paradoxalmente, largada. Num
texto escrito por Jeph Loeb e publicado em Superman #12, da Panini comics, a
personagem define-se assim:
“O que faço, ser jornalista, define quem sou eu. Sei que pode soar
superficial... minha profissão me definindo, mas você [Clark Kent] conseguiria
deixar de ser Superman? Trabalhar a seu lado, correr para uma notícia exclusiva
com Jimmy fotografando a primeira página enquanto Perry segura a gráfica pra
(sic) mim, é ser jornalista. Minha irmã Lucy, ainda pequena, falava em um dia se
tornar esposa e mãe. E, quando meu primeiro artigo apareceu no jornalzinho da
escola, eu soube o que queria. Correr atrás da notícia me tirou de casa. Me deu
um motivo pra (sic) morar fora, que não teve nada a ver com papai. Nossa família
era a de um militar, você sabe. ‘Moleque de milico’ é o simpático termo que
usavam para filhos de familiares. Vivendo de quartel em quartel. De patente em
patente. De ordem em ordem. Eu não tinha fazenda, vizinhos, cachorros e pais
que me dessem alguma estabilidade. A minha estabilidade começava e
terminava com meu trabalho”. (LOEB, 2004, p.5 a 12).
Lois aprendeu, desde cedo, a resolver seus problemas sozinha. Sua versão
de Smallville, além de inteligente e bonita, luta artes marciais para se defender.
No primeiro episódio da quarta temporada da série, Clark corre para salvar Lois
de uma equipe militar enviada por Sam Lane. Quando Kent chega, os homens já
estão todos no chão, o que deixa o futuro Superman espantado. Em entrevista à revista Sci-Fi news, a atriz Erica Durance, que interpreta a personagem na série,
falou sobre sua visão de Lois Lane:
“O que mais gosto na personagem Lois Lane é o fato de ela também ser
uma heroína. Ela se acha completamente independente de qualquer pessoa,
inclusive do Super-Homem, mesmo com ele sempre a salvando no final. Ela me
intriga nesse sentido”(Sci Fi news, Edição 81, novembro de 2004, p.15)
"Você me parece familiar..." |
Lois Lane representa
um ideal de mulher, que Jung
chamou de arquétipo da ânima:
“Todo homem leva
dentro de si a imagem eterna da mulher, não a imagem desta
ou daquela mulher em
particular, mas sim uma bem definida imagem feminina. Esta imagem fundamentalmente inconsciente, um fator hereditário de origem primordial gravado no sistema
vivo e orgânico do homem, uma impressão ou arquétipo de todas as experiências
ancestrais de fêmea, um depósito, por assim dizer, todas as impressões deixadas pela mulher. Sendo inconsciente um dos principais motivos da atração
apaixonada ou da aversão”. (JUNG, apud HALL & NORDBY, 1972, p.198).
Associar Lois à ânima faz bastante sentido quando procuramos as origens
históricas da personagem. No livro Superman at Fifty – The Persistence of a
Legend, Dennis Dooley revela os resultados de sua pesquisa quanto a esse
assunto:
“Um rumor persistente (e muito, por sinal, para durar mais de meio
século) é de que havia mesmo uma garota chamada Lois, na qual Siegel se baseou
para criar a namorada do Super-Homem. Tudo indica que alguns aspectos da
personagem foram tirados de duas repórteres ligadas ao jornal estudantil, mas
quem era Lois? [...] as referências mais intrigantes envolvem uma certa Lois A..
De acordo com Siegel, tratava-se de Lois Amster, uma garota muito bonita e
inteligente – do tipo independente que incomodava seus colegas ao sair com
rapazes mais velhos. Ela parece ter sido o tipo de moça que faz colegiais
sonharem acordados. Essa pista quanto à identidade da Lois original foi confirmada em uma
entrevista pouco conhecida de Siegel e Shuster para o jornal Star. ‘Lois Lane foi
inspirada em Lois Amster, uma garota de Cleveland’declararam eles. Mas o artigo
também continha uma surpresa inesperada. Dizia que Shuster ‘tivera uma queda’
por ela. ‘Hoje, Lois Amster é avó em Cleveland’, filosofou um Shuster maduro,
‘mas acho que ela não tem ideia de que serviu de modelo para Lois
Lane". (DOOLEY, 1998, p.27)
Lois Amster em 2006 com o escritor Michael Arnold Glueck |
Joe Shuster também projetou sua ânima em Lois Lane. Joanne Carter, uma
modelo que, anos depois da criação do Superman, se tornaria esposa de Joe, foi sua inspiração para o visual da personagem.
Com exceção de Smallville, todas as outras versões do mito introduzem Lois na história no momento em que Clark vai morar em Metrópolis. Desde então, uma relação de amor e ódio se estabelece entre eles. Clark encantou-se com Lois logo que a viu. Lois, por sua vez, achou-o um completo idiota. Estava maravilhada demais com o Superman para prestar atenção àquele repórter atrapalhado, meio gago, com óculos de fundo de garrafa e que tinha lhe “roubado” a primeira entrevista exclusiva com o Superman que, aliás, garantiu a Clark seu emprego no Planeta Diário (Estrela Diária na versão de 1938).
Com exceção de Smallville, todas as outras versões do mito introduzem Lois na história no momento em que Clark vai morar em Metrópolis. Desde então, uma relação de amor e ódio se estabelece entre eles. Clark encantou-se com Lois logo que a viu. Lois, por sua vez, achou-o um completo idiota. Estava maravilhada demais com o Superman para prestar atenção àquele repórter atrapalhado, meio gago, com óculos de fundo de garrafa e que tinha lhe “roubado” a primeira entrevista exclusiva com o Superman que, aliás, garantiu a Clark seu emprego no Planeta Diário (Estrela Diária na versão de 1938).
A fascinação de Lois pelo Superman explica-se pelo correspondente do
arquétipo da ânima na mulher: o ânimus. O ânimus é o lado masculino do
inconsciente feminino, assim como a ânima é o lado feminino do inconsciente
masculino, que, segundo Jung (HALL & NORDBY, 1972) prefere identificar-se
com homens heróicos, com intelectuais, com artistas ou com atletas célebres.
Enquanto Superman é uma junção de tudo isso, principalmente por representar
o si-mesmo, Clark, a persona, é, no máximo, intelectual.
Um dos primeiros esboços de Lois Lane feito por Joe Shuster com base em Joanne Carter. |
O triângulo amoroso não é incomum na literatura e na mitologia.
Podemos ver essa relação em O Grande Gatsby e na lenda do Rei Arthur, sempre
ligada à projeção do ânimus numa terceira pessoa que possui mais
características que com ele se identificam do que o marido, que já perdeu muitas
delas, embora as tivesse quando o casal se conheceu. O mais interessante na
relação de Clark, Lois e Superman, é que só existem, de fato, duas pessoas. É um
triângulo amoroso com apenas dois lados!
Só podemos entender esse tipo de relacionamento se o abordarmos pela
ótica mítica e psicológica e o compreendermos como uma mensagem do
insconsciente a ser decifrada. Percebemos que Lois é a ânima, Clark a persona e
Superman o si-mesmo. Lois é apaixonada pelo Superman e não por Clark. A
ânima é a parte mais profunda do inconsciente e é com ele que se relaciona melhor através do si-mesmo, que é o regulador da totalidade do inconsciente do que com uma única parte dele, a persona.
“O desequilíbrio entre persona a a ânima, ou o ânimus, pode ter como corolário o desencadeamento de uma rebelião da ânima ou do ânimus”. (HAKK & NORDBY, 1972 p.40).
“O desequilíbrio entre persona a a ânima, ou o ânimus, pode ter como corolário o desencadeamento de uma rebelião da ânima ou do ânimus”. (HAKK & NORDBY, 1972 p.40).
É interessante notar como Lois sempre
apresenta uma postura dominadora
sobre Clark Kent, principalmente na versão de Richard Donner, e “amansa” na presença do Superman. A ânima
sempre buscará o si-mesmo, pois busca integrar-se com toda a psique através
dele. A persona, por sua vez, sempre se submeterá aos outros arquétipos se for
uma persona fraca, como Clark Kent, o repórter, geralmente apresenta. Na
versão de Byrne, por exemplo, a relação entre Lois e Clark é mais de competição
do que de submissão. Nela, há um equilíbrio maior entre os dois arquétipos que
esses personagens representam.
Por fim, como num processo de individuação, Clark Kent revela à Lois Lane que
ele é o Superman e os dois (ou seriam os três?) se casam, representando a
integração dos arquétipos quando o eixo ego-self personificado assume o lugar
da persona e do si-mesmo estabelecendo uma relação mais sólida entre
consciente e inconsciente. Sendo um pouco mais claro: Quando Clark Kent (o
repórter) revela que é o Superman (o kryptoniano) passa a haver uma
integração entre os arquétipos que eles representam, ou seja, persona e si-mesmo, respectivamente. Lois passa a ver Clark como o que anteriormente chamamos de
fazendeiro, que
é o arquétipo do
herói. O
arquétipo do
herói, por sua
vez, representa
a personificação do eixo-self, cuja função é integrar o consciente ao inconsciente. Como o ego faz
parte do consciente, não pode estar presente numa representação mitológica, já
que o mito é uma manifestação inconsciente. Portanto, o arquétipo que mais se
assemelha a ele, ou seja, a persona, faz seu papel na manifestação onírica.
Fim da Parte 5
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