sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

SUPERMAN - ANÁLISE DE UM MITO AMERICANO PARTE 5 SUPERMULHER



“Todavia, nem o homem é sem a mulher...”.
(I Coríntios 11:11, Bíblia Sagrada)





              Ela estava lá desde o começo, em Action Comics # 1, lutando por justiça, verdade e se metendo nas mais mirabolantes encrencas para, logo em seguida, ser salva pelo Homem de Aço. Intrépida, atrevida e atraente, Lois Lane é, sem dúvida, a mais importante personagem coadjuvante das histórias do Superman desde junho de 1938. Segundo o mito de John Byrne (O Homem de Aço, 1986) e o de Mark Waid (O Legado das Estrelas, 2003), foi ela quem apelidou aquele homem voador de Metrópolis de Super-Homem. Filha do general Samuel Lane, Lois sempre foi bastante agitada e enérgica, mesmo nas versões mais antigas, como consequência de sua educação rígida e, paradoxalmente, largada. Num texto escrito por Jeph Loeb e publicado em Superman #12, da Panini comics, a personagem define-se assim:

                   “O que faço, ser jornalista, define quem sou eu. Sei que pode soar superficial... minha profissão me definindo, mas você [Clark Kent] conseguiria deixar de ser Superman? Trabalhar a seu lado, correr para uma notícia exclusiva com Jimmy fotografando a primeira página enquanto Perry segura a gráfica pra (sic) mim, é ser jornalista. Minha irmã Lucy, ainda pequena, falava em um dia se tornar esposa e mãe. E, quando meu primeiro artigo apareceu no jornalzinho da escola, eu soube o que queria. Correr atrás da notícia me tirou de casa. Me deu um motivo pra (sic) morar fora, que não teve nada a ver com papai. Nossa família era a de um militar, você sabe. ‘Moleque de milico’ é o simpático termo que usavam para filhos de familiares. Vivendo de quartel em quartel. De patente em patente. De ordem em ordem. Eu não tinha fazenda, vizinhos, cachorros e pais que me dessem alguma estabilidade. A minha estabilidade começava e terminava com meu trabalho”. (LOEB, 2004, p.5 a 12).

                 Lois aprendeu, desde cedo, a resolver seus problemas sozinha. Sua versão de Smallville, além de inteligente e bonita, luta artes marciais para se defender. No primeiro episódio da quarta temporada da série, Clark corre para salvar Lois de uma equipe militar enviada por Sam Lane. Quando Kent chega, os homens já estão todos no chão, o que deixa o futuro Superman espantado. Em entrevista à revista Sci-Fi news, a atriz Erica Durance, que interpreta a personagem na série, falou sobre sua visão de Lois Lane:

                “O que mais gosto na personagem Lois Lane é o fato de ela também ser uma heroína. Ela se acha completamente independente de qualquer pessoa, inclusive do Super-Homem, mesmo com ele sempre a salvando no final. Ela me intriga nesse sentido”(Sci Fi news, Edição 81, novembro de 2004, p.15)


"Você me parece familiar..."

                   Lois Lane representa um ideal de mulher, que Jung chamou de arquétipo da ânima:

             “Todo homem leva dentro de si a imagem eterna da mulher, não a imagem desta ou daquela mulher em particular, mas sim uma bem definida imagem femininaEsta imagem fundamentalmente inconsciente, um fator hereditário de origem primordial gravado no sistema

vivo e orgânico do homem, uma impressão ou arquétipo de todas as experiências ancestrais de fêmea, um depósito, por assim dizer, todas as impressões deixadas pela mulher. Sendo inconsciente um dos principais motivos da atração apaixonada ou da aversão”. (JUNG, apud HALL & NORDBY, 1972, p.198).

                     Associar Lois à ânima faz bastante sentido quando procuramos as origens históricas da personagem. No livro Superman at Fifty – The Persistence of a Legend, Dennis Dooley revela os resultados de sua pesquisa quanto a esse assunto:

                  “Um rumor persistente (e muito, por sinal, para durar mais de meio século) é de que havia mesmo uma garota chamada Lois, na qual Siegel se baseou para criar a namorada do Super-Homem. Tudo indica que alguns aspectos da personagem foram tirados de duas repórteres ligadas ao jornal estudantil, mas quem era Lois? [...] as referências mais intrigantes envolvem uma certa Lois A.. De acordo com Siegel, tratava-se de Lois Amster, uma garota muito bonita e inteligente – do tipo independente que incomodava seus colegas ao sair com rapazes mais velhos. Ela parece ter sido o tipo de moça que faz colegiais sonharem acordados. Essa pista quanto à identidade da Lois original foi confirmada em uma entrevista pouco conhecida de Siegel e Shuster para o jornal Star. ‘Lois Lane foi inspirada em Lois Amster, uma garota de Cleveland’declararam eles. Mas o artigo também continha uma surpresa inesperada. Dizia que Shuster ‘tivera uma queda’ por ela. ‘Hoje, Lois Amster é avó em Cleveland’, filosofou um Shuster maduro, ‘mas acho que ela não tem ideia de que serviu de modelo para Lois Lane". (DOOLEY, 1998, p.27)


Lois Amster em 2006 com o escritor Michael Arnold Glueck
                  Joe Shuster também projetou sua ânima em Lois Lane. Joanne Carter, uma modelo que, anos depois da criação do Superman, se tornaria esposa de Joe, foi sua inspiração para o visual da personagem. 

                Com exceção de Smallville, todas as outras versões do mito introduzem Lois na história no momento em que Clark vai morar em Metrópolis. Desde então, uma relação de amor e ódio se estabelece entre eles. Clark encantou-se com Lois logo que a viu. Lois, por sua vez, achou-o um completo idiota. Estava maravilhada demais com o Superman para prestar atenção àquele repórter atrapalhado, meio gago, com óculos de fundo de garrafa e que tinha lhe “roubado” a primeira entrevista exclusiva com o Superman que, aliás, garantiu a Clark seu emprego no Planeta Diário (Estrela Diária na versão de 1938).



                A fascinação de Lois pelo Superman explica-se pelo correspondente do arquétipo da ânima na mulher: o ânimus. O ânimus é o lado masculino do inconsciente feminino, assim como a ânima é o lado feminino do inconsciente masculino, que, segundo Jung (HALL & NORDBY, 1972) prefere identificar-se com homens heróicos, com intelectuais, com artistas ou com atletas célebres. Enquanto Superman é uma junção de tudo isso, principalmente por representar o si-mesmo, Clark, a persona, é, no máximo, intelectual.
Um dos primeiros esboços de Lois Lane feito por
Joe Shuster com base em Joanne Carter.
            O triângulo amoroso não é incomum na literatura e na mitologia. Podemos ver essa relação em O Grande Gatsby e na lenda do Rei Arthur, sempre ligada à projeção do ânimus numa terceira pessoa que possui mais características que com ele se identificam do que o marido, que já perdeu muitas delas, embora as tivesse quando o casal se conheceu. O mais interessante na relação de Clark, Lois e Superman, é que só existem, de fato, duas pessoas. É um triângulo amoroso com apenas dois lados!

              Só podemos entender esse tipo de relacionamento se o abordarmos pela ótica mítica e psicológica e o compreendermos como uma mensagem do insconsciente a ser decifrada. Percebemos que Lois é a ânima, Clark a persona e Superman o si-mesmo. Lois é apaixonada pelo Superman e não por Clark. A ânima é a parte mais profunda do inconsciente e é com ele que se relaciona melhor através do si-mesmo, que é o regulador da totalidade do inconsciente do que com uma única parte dele, a persona. 

        “O desequilíbrio entre persona a a ânima, ou o ânimus, pode ter como corolário o desencadeamento de uma rebelião da ânima ou do ânimus”. (HAKK & NORDBY, 1972 p.40).



                É interessante notar como Lois sempre apresenta uma postura dominadora sobre Clark Kent, principalmente na versão de Richard Donner, e “amansa” na presença do Superman. A ânima sempre buscará o si-mesmo, pois busca integrar-se com toda a psique através dele. A persona, por sua vez, sempre se submeterá aos outros arquétipos se for uma persona fraca, como Clark Kent, o repórter, geralmente apresenta. Na versão de Byrne, por exemplo, a relação entre Lois e Clark é mais de competição do que de submissão. Nela, há um equilíbrio maior entre os dois arquétipos que esses personagens representam.



                   Por fim, como num processo de individuação, Clark Kent revela à Lois Lane que ele é o Superman e os dois (ou seriam os três?) se casam, representando a integração dos arquétipos quando o eixo ego-self personificado assume o lugar da persona e do si-mesmo estabelecendo uma relação mais sólida entre consciente e inconsciente. Sendo um pouco mais claro: Quando Clark Kent (o repórter) revela que é o Superman (o kryptoniano) passa a haver uma integração entre os arquétipos que eles representam, ou seja, persona e si-mesmo, respectivamente. Lois passa a ver Clark como o que anteriormente chamamos de fazendeiro, que é o arquétipo do herói. O arquétipo do herói, por sua vez, representa a personificação do eixo-self, cuja função é integrar o consciente ao inconsciente. Como o ego faz parte do consciente, não pode estar presente numa representação mitológica, já que o mito é uma manifestação inconsciente. Portanto, o arquétipo que mais se assemelha a ele, ou seja, a persona, faz seu papel na manifestação onírica.


Fim da Parte 5
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