quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

SUPERMAN - ANÁLISE DE UM MITO AMERICANO PARTE 3 O HOMEM DO AMANHÃ



“Era 1933, e nós estávamos em plena Grande Depressão. O mundo estava cheio de injustiças e a Guerra na Europa parecia iminente. Eu gostaria de poder tornar as coisas mais fáceis...”.
(Jerome Siegel, criador do Superman)


Jor-El e Lara enviam Kal-El à Terra em Super-Homemo filme, de 1978 



O Mito do Superman


                A versão do mito contada a seguir é um apanhado das versões de Superman #1, de Jerry Siegel e Joe Shuster, de 1939; Super-Homem - O filme, de Richard Donner, de 1978; O Homem de Aço, de John Byrne, de 1986; Smallville, de Alfred Gough e Miles Millar, de 2001; e O Legado das Estrelas, de Mark Waid e Lenil Francis Yu, de 2003. O que aparece em apenas uma versão e contradiz as outras foi ignorado. Se o fato de uma única versão apenas somava, ele foi considerado. A maioria dos elementos descritos, porém, aparece em mais de uma versão, ainda que numa forma variante:


                   Há muito tempo, existia um planeta chamado Krypton. Não apenas a tecnologia desse mundo era extremamente avançada, mas também suas relações humanas. Em Krypton, não havia guerras, doenças e o índice de criminalidade era quase zero. Porém, depois de séculos de uma civilização paradisíaca, o povo de Krypton defrontou-se com “A morte verde”. O solo de certas regiões do planeta estava transformando-se numa substância verde sólida que matava a população do lugar rapidamente. Além disso, terremotos se tornavam cada vez mais frequentes.

Krypton antes da destruição
arte de Leinil Francis Yu, em Legado das Estrelas

                  Estudando o assunto por sua conta, o cientista Jor-El descobriu que uma reação em cadeia estava acontecendo no núcleo de Krypton, transformando o solo numa substância radioativa chamada Kryptonita. Descobriu também que logo esta reação faria com que o planeta todo explodisse desde o núcleo. Convencido de sua teoria, Jor-El levou sua proposta de salvação ao Conselho que governava Krypton: Construir arcas espaciais, nas quais os habitantes do planeta seriam levados a outros mundos antes da explosão apocalíptica. A resposta dos políticos não foi satisfatória para o cientista. Jor-El voltou para sua casa e construiu, sozinho, um protótipo de uma nave que poderia salvar apenas um kryptoniano.

O Conselho de Krypton rejeita as ideias de Jor El
Superman, o filme de 1978


                    Pouco tempo depois, tremores sísmicos começaram a abalar o planeta. Sabendo que aquele seria o fim, Jor-El preparou o protótipo. Por sugestão de sua esposa Lara, ele decidiu que o único sobrevivente seria seu filho Kal-El. Colocou, então, uma espécie de enciclopédia holográfica na nave de seu filho para que ele conhecesse a cultura de seu povo. Lara estava preocupada com o que ocorreria com seu filho no espaço, e para que mundo iria. Jor-El informa-lhe, então, que Kal-El irá para o planeta Terra e “profetiza”que seu filho será como um deus entre os terráqueos. Ele poderá mudar o curso dos rios, saltar à altura de edifícios, ver através de objetos. Isso tudo devido ao sol amarelo que a Terra orbita e sua gravidade inferior. Krypton orbitava uma estrela anã vermelha e os corpos de seus habitantes estavam acostumados a receber muito menos energia do sol. Na Terra, Kal-El seria superenergizado. Krypton também era um mundo gigantesco, mais ou menos do tamanho de Júpiter, e seus habitantes estavam acostumados a suportar uma gravidade muito maior que a da Terra, por isso, o mundo adotivo de Kal-El certamente não poderia contê-lo no chão.

Jor El "profetiza"sobre o destino de seu filho do Planeta Terra
na HQ de John Byrne Homem de Aço. 


                     Krypton explodiu. Jor-El, Lara e toda sua raça estavam extintos, salvo o pequeno filho do casal, que chegou à Terram em sua nave, mais precisamente à cidade de Smallville, Kansas, Estados Unidos da América, acompanhado de uma chuva de meteoros de kryptonita,
direcionada à Terra por Jor-El para disfarçar a chegada de seu filho. Durante a chuva de meteoros, um casal estéril da cidade, Jonathan e Martha Kent, encontraram a nave com a criança extraterrestre. Martha, que já havia sofrido dois abortos espontâneos e dado à luz um natimorto, sempre pedia por um filho em suas preces. Naquele dia, Kal-El tornou-se Clark Kent, tendo sido adotado pelo casal do Kansas.

Jonathan e Martha Kent encontram o bebê kryptoniano
na série de Tv Smallville


                    Clark Kent cresceu em Smallville, no rancho de seu pai, e levava uma vida normal até que os raios do sol amarelo começaram a causar um efeito perturbador em seu corpo. A força de Clark, que já era grande, ficou ainda maior. Ele descobriu que podia correr mais rápido que o ônibus escolar e sobreviver ileso depois de ser atropelado por um touro. Jonathan e Martha sentiram a aflição pela qual seu filho passava e decidiram que era hora de revelar a ele a verdade sobre sua origem. Escondida numa parte secreta do rancho Kent estava a nave que trouxera Clark à Terra. Dentro da espaço nave, estava a enciclopédia holográfica de Jor-El.

Jonathan conta a Clark a verdade sobre sua origem
na série de tv Smallville

                      Após saber a verdade sobre si, Clark ficou desnorteado. Ele era um alienígena morando na Terra. Um deus entre os mortais, querendo ser mortal. Nessa época, Clark era estudante do collegial e foi instruído por seus pais adotivos a não contar a ninguém nem sobre sua origem, nem sobre seus poderes. Passou esse period, então, aprendendo sobre Krypton e sobre quem ele era. Ao mesmo tempo em que Jonathan ensinava ao filho que seus poderes deveriam ser usados para ajudar os outros secretamente, Jor El o incentivava a se tornar o deus que ele era. Começava a nascer a dupla identidade do personagem.

Jor El influencia seu filho na HQ Homem de Aço
de John Byrne

                   Ao formar-se no colégio, Clark deixou Smallville, cursou a faculdade de jornalismo e viajou pelo mundo como repórter free lancer, sempre estudando a enciclopédia kryptoniana e as culturas dos povos da Terra. Nesse período, todos os poderes se desenvolveram. No total, foram sete anos de exílio de sua cidade natal, Smallville.

Clark Kent trabalhando como repórter na África
arte de Leinil Francis Yu, em Legado das Estrelas

                 Influenciado pela cultura de tribos africanas, que usam roupas coloridas de ancestrais para simbolizar sua origem, acostumado à vida dupla e à cultura kryptoniana, Clark volta à Smallville e, com a ajuda da mãe, cria o uniforme azul e vermelho com capa, no estilo das roupas usadas pelo povo de Krypton. O símbolo do “S” no peito era um recorrente na história de seu planeta de origem. Um símbolo de esperança que Clark nunca soube o que significava exatamente. A capa era a manta que o envolvia na nave onde foi encontrado ainda bebê.

O "S" mostrado como símbolo de esperança no decorrer a história de Krypton
em Legado das Estrelas

                (Há divergências entre as versões quanto ao significado do “S”. A de Siegel e Shuster afirma que o “S”é apenas a inicial de Super-Homem. A de Donner diz que era o brasão que a família El de Krypton usava. Byrne concorda com Siegel e Shuster, enquanto Smallville afirma que “S”é o ideograma de esperança em kryptonês. Optamos por apresentar a versão de Waid, por agregar, de certo modo elementos de todas as outras.)

                  Estava na hora de Clark mostrar ao mundo sua dupla identidade. Ele muda-se para Metrópolis, onde se torna repórter do Planeta Diário, o maior jornal do mundo, e faz sua estréia pública como Superman. Ambos são personagens criados pelo verdadeiro Clark Kent. Superman é uma personagem “secreta” mesmo sendo pública, através da qual o lado Kal-El pode se manifestar e cumprir seu dever imposto por seus pais biológicos. O Clark do Planeta Diário é uma outra personagem através da qual o verdadeiro Clark pode fazer o que gosta: escrever, sem ser identificado como Superman, graças aos seus óculos, seu cabelo cobrindo parte do rosto, sua entonação vocal e seu jeito desajeitado de andar.

Clark Kent e Superman,
em Superman - o filme, de 1978

                       No jornal, ele conhece Lois Lane, a melhor de todas as repórteres, por quem se apaixona quase imediatamente. Ela nunca dá oportunidade para Clark se aproximar, pois está apaixonada pelo Superman. Isso agrada e desagrada Clark, pois ele é, na verdade, o Superman. Ou seria ele Clark Kent? Ou ambos? Ou nem um nem outro? Clark chega a maldizer o Superman toda vez que vê Lois se desmanchar ao falar dele.

Lois Lane e Clark Kent trabalhando juntos no Planeta Diário
 na série de tv Smallville

                      Outra figura importante que Clark encontra em Metrópolis é Lex Luthor, bilionário com intenções criminosas, que odeia o Superman. Ao descobrir o mal que a kryptonita causa ao herói, Luthor passa a usá-la toda vez que seus interesses entram em conflito com os do Homem de Aço.

Lex Luthor, na versão de John Byrne

                       Essa é a história básica do Superman. É uma históra sem final oficial. Embora alguns já tenham escrito finais, o Superman sempre arranja um jeito de voltar. O que está contado acima é o mito que, estruturalmente, permanence mais ou menos inalterado e vem sendo recontado desde 1938, por diversos autores.

O mito do nascimento do super-herói.
Jor El e Lara colocam e bebê Kal-El na nave
em O Legado das Estrelas 


                  Podemos notar evidentes semelhanças entre o mito do nascimento do herói descrito por Otto Rank e o mito do Superman, principalmente em seu início, momento em que nos concentraremos a seguir.

                    Muitos pesquisadores da mente humana têm insistido que, para compreender os mitos, é necessário voltar à infância, época em que a imaginação é plena. Porém, os estudos concernentes à mente das crianças não são suficientemente avançados, segundo Rank, para uma análise satisfatória. Por isso, para esse tipo de estudo leva-se em consideração a mente dos
psiconeuróticos, indivíduos que “permanecem estancados no nível infantil, embora possam parecer maduros em outros aspectos”(RANK, 1989, p.81).

              Estudando essas pessoas, concluiu-se que o maior problema da infância é o desligamento dos pais. É válido lembrar aqui que Jung também dividiu a vida em dois estágios e, como já foi mencionado, concordava com essa hipótese. Ora, devemos então compreender que o mito do nascimento do herói está intrinsecamente ligado ao período de formação da personalidade, ou seja, à infância. Como o herói é uma projeção da formação individual, logo o momento de formação dele, seu nascimento, ocorre no mesmo momento que o nosso. Não se fala aqui do nascimento biológico, mas do nascimento da personalidade.

Jor El e Lara colocam e bebê Kal-El na nave
na versão de 1939
                     Em pessoas normais, o desligamento da autoridade dos pais é um dos passos mais necessários, mas também mais difíceis. Os pais são a grande fonte de autoridade e fé para os filhos. Com o tempo, porém, os filhos percebem as imperfeições dos pais e se desligam deles em alguns aspectos, principalmente de autoridade e fé absolutas. Nesse processo, o filho sofre em muitos aspectos e cria a chamada “neurose do filho adotivo”(RANK, 1989). O filho se volta contra os pais tal como os conhece agora em busca dos pais que o criaram. Desse modo, a supervalorização dos primeiros anos da infância fazem parte das fantasias. A fim de se dissociar dos pais, o filho se apega aos sucessos acidentais da vida real cotidiana, fantasiando-os como grandes feitos.

                         Assim como ocorre nessa fase da formação da personalidade, no mito os pais são, a princípio, divinos e nobres. Note-se Jor-el e Lara pertencem a uma civilização extremamente avançada. Em Krypton não há guerras, nem doenças e quase não há crimes. Os kryptonianos são um povo perfeito. Jor-el é um cientista proeminente, indicando uma inteligência exaltada. Também é aceito no conselho que governa Krypton, o que demonstra sua capacidade de resolver problemas de maneira independente. Literalmente, em todos os sentidos, Jor-el é o superpai. No entanto, repentinamente, sem nenhuma explicação lógica, o tão respeitado pai de Kal-el é rejeitado pelas autoridades e desacreditado. É a cabeça do jovem se distanciando dos pais sem nem entender direito o porquê. O mundo da infância, Krypton, começa a ruir. Antes que a figura dos pais perfeitos se vá completamente, é preciso destruir o mundo em que aqueles pais existiam. Krypton explode. Como todos os mitos de paraísos perdidos, esse representa a perda da era áurea da infância. Kal-el terá que lidar agora com Jonathan e Martha Kent, pais imperfeitos, normais, com defeitos de pessoas comuns, incapazes de fazer e de entender metade daquilo que Kal-el entende e faz.

O Planeta Krypton explode em
Homem de Aço de John Byrne

                      Quando Clark descobre quem realmente é, vê-se impelido a abandonar tudo, deve deixar a pequenez de Smallville e voar até Metrópolis. É a fase de transição, o andar com as próprias pernas. As coisas fantásticas que o Superman faz correspondem aos atos cotidianos aos quais o indivíduo se apega para provar a si mesmo que não precisa mais daqueles pais imperfeitos. Logicamente, não devemos crer que haverá desprezo completo pelos pais de criação, os adotivos imperfeitos. Eles ainda são “meus” pais, mas eu sou mais do que eles foram. Não posso me apegar a algo tão minúsculo quanto Smallville. Vale lembrar que, no mito, Metrópolis é a maior cidade do mundo, representando o próprio mundo a ser conquistado.
No mito do Superman, porém, não é incomum vermos Kal-el entrar, às vezes, em conflito com seu pai biológico, Jor-el. Em grande parte dos mitos em que uma criança é abandonada num rio, ela passa por grandes tribulações até ser salva e criada por alguém. Podemos considerar que isso existe no mito do Superman, apenas trocando a cesta por uma nave especial e o rio pelo espaço cósmico. Uma das interpretações para isso é a atribuição de culpa por parte do filho aos pais, responsabilizando-os por terem lhe dado a vida e, consequentemente, terem lhe feito sofrer. Clark culpa Jor-el por tê-lo “feito” diferente e ainda guarda certa gratidão para com os imperfeitos Kent pore les o terem criado.

            A recorrência desse tema nas origens dos super-heróis é a prova de que esses personagens são uma mitologia moderna. Quase todos eles são órfãos, criados por pais adotivos. Além do Superman, poderíamos citar o Homem- Aranha (Spider-man) que teve os pais mortos em um acidentes de avião durante uma missão de espionagem e foi criado pela Tia May e pelo Tio Ben.


Richard e Mary Parker, os pais biológicos do Homem-Aranha.
arte de John Romita Sr
                      Tarzan teve os pais mortos por um leopardo e foi criado por macacos.
Os pais biológicos de Tarzan, logo após o naufrágio
na versão animada da Disney
                 A mãe de Wolverine suicidou-se e seu pai foi morto pelo jardineiro o que levou o personagem a fugir e se criar entre lobos nas florestas do Canadá.


Wolverine, ainda jovem, no meio de sua "família" adotiva
na arte de Andy Kubert e Richard Isanove na HQ Origem
                 Batman teve os pais assassinados, foi criado pelo mordomo Alfred e treinado pelos maiores assassinos do mundo. 


Bruce Wayne, o futuro Batman, junto aos corpos de seus pais recém assassinados.
arte de Jim Lee, Scott Williams e Alex Sinclair

              No caso do Batman, aliás, é interessante notar seu apego pelos pais mortos. Bruce Wayne os exalta como pessoas perfeitas. As figuras de Thomas e Martha Wayne são santificadas para ele e motivam-no a continuar sua cruzada. Assim é como tantos outros personagens que representam o arquétipo do herói em nossos dias. Nosso trabalho, no momento, restringe-se ao Superman, portanto, voltemos a ele.
Fim da parte 3
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