quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

A Origem do Papai Noel Segundo Grant Morrison


"Vim somente para trazer presentes para as crianças 
e alegria para uma cidade sombria em uma época sombria
Klaus




           Apesar de eu ser cristão, por muito tempo não gostei do Natal. De uns anos para cá, contudo, graças a um texto de C.S. Lewis passei a resignificar as tradições desta época do ano dentro de mim. A última delas, que ainda me causava resistência, era o Papai Noel. Essa figura fantasiosa que tenta usurpar o trono do Messias como figura principal do Natal me parecia só isso mesmo: Uma ficção capitalista que desvia a atenção do significado maior da data e impulsiona a compra e venda de produtos no final do ano.  

            Eu não esperava mudar de opinião, mas mudei (Pelo menos quanto ao interesse no personagem e em seu valor simbólico). E muito menos esperava que o responsável por essa mudança fosse um escritor como o escocês Grant Morrison, que, seguindo a linha do famoso Rei escocês James VI e I que mandou traduzir a Bíblia, costuma transitar entre o sagrado e o profano e é muitas vezes chamado de ocultista. Em 2015, Morrison se juntou à editora Boom Studios e ao artista Dan Mora para contar "A maior de todas as histórias jamais contadas", segundo ele, na série de Graphic Novels Klaus, Como Surgiu o Papai Noel e que se tornou para mim a origem definitiva do personagem e a melhor forma de encará-lo. Esta é a história do Papai Noel que vou contar para o meu filho:


Era uma vez, nas distantes terras do norte do mundo, uma mulher que morreu congelada  protegendo seu bebê do frio.  Dois homens da cidade de Grimsvig, Karl e Alrik encontraram o bebê vivo nos braços da mãe e o levaram para ser criado com seu povo. “À medida em que os anos passaram, a história de que a criança fora salva por causa do calor em seu coração cresceu e eles o chamaram de Klaus, cujo significado é ‘Vitória do Povo’”em sua língua nativa. Klaus desenvolveu um grande afeto por Dagmar, a filha de Alrik, que aliás, não era um homem qualquer, mas o Barão de Grimsvig, governante da cidade, que reportava-se diretamente ao rei do país.  Klaus tinha o dom de esculpir brinquedos na madeira e costumeiramente presenteava Dagmar com eles. Os dois cresceram juntos como grandes amigos, mas havia um outro garoto na cidade, chamado Magnus, que sentia muito ciúme dessa amizade.


            Anos depois “os lobos estavam ferozes nos arredores da cidade. Porém, ainda mais feroz era Klaus, o jovem capitão da guarda de Grimsvig, escolhido a dedo pelo Barão Alrik”. Em um dia de patrulha e caça aos lobos, Klaus encontrou uma filhote de lobo cuja vida decidiu preservar sem que sua tropa o soubesse. Ele a chamou de Lilli. Na mesma época a esposa de Alrik havia falecido e Magnus se tornara conselheiro do Barão. Enciumado e desejando tanto a filha quanto o poder de seu senhor, Magnus envenenou o vinho do Barão que segundo ele era “a única coisa que mantém o senhor vivo desde  a morte de sua adorada esposa”. Com o barão morto, Magnus acusou quem quis e seu alvo não poderia ser diferente: Klaus foi expulso da cidade para viver sozinho na neve, condenado como assassino do Barão de Grimsvig.


            Ele teria morrido no gelo, não fosse pela ajuda de Lilli que, enviada pelos espíritos do gelo e da floresta o resgatou como forma de gratidão ao ex-capitão da guarda. Nos anos que passou vivendo no ermo gelado na companhia de sua loba, Klaus aprendeu a sobreviver com o uso da magia da floresta.


            Muitos anos mais tarde, Klaus decidiu voltar à cidade e encontrou uma Grimsvig muito diferente. Além dos guardas e do taverneiro, notou que não havia homens na cidade. Logo descobriu que todos eles estavam trabalhando nas minas por ordem do Barão de Grimsvig, Lorde Magnus que havia se casado com Lady Dagmar e assumido o poder!! Dentre os desmandos de Magnus, Klaus descobriu também que ele havia decretado que toda diversão pública estava proibida e que todos os brinquedos deveriam ser recolhidos e dados a seu próprio filho, Jonas, uma criança mimada que o Barão alegava ser portador de uma doença que não lhe permitia sair do castelo. Indignado com a forma com que os guardas tratavam as crianças que brincavam na rua, Klaus arranjou uma briga com eles e foi expulso novamente da cidade depois de ser bastante machucado por eles.


            Na floresta junto à Lilli, Klaus tocou sua flauta mágica enquanto lamentava a situação injusta e cruel pela qual as crianças de Grimsvig passavam, tendo inclusive seu Festival de Inverno, o Yuletime, cancelado. Quando a música encheu a clareira onde Klaus e Lilli acampavam, os espíritos do gelo se manifestaram e dançaram com eles pela noite. Klaus pediu-lhes orientaçãoo sobre como ajudar aquelas crianças e adormeceu. Quando acordou no dia seguinte, ele estava cercado por dezenas de brinquedos dos mais variados tipos! Logo ele soube o que deveria fazer: Entregá-los às crianças! Corajosa e ousadamente, Klaus escalou as muralhas da cidade durante a madrugada e no dia seguinte as crianças camponesas acordaram com presentes em suas casas: Brinquedos mágicos!


            Isso acendeu a ira de Lorde Magnus que confiscou todos os brinquedos para dá-los a seu filho Jonas. Ele também ordenou ao guardas que encontrassem quem era o “descontente entre nós (...) que se recusa a jogar de acordo com as regras da civilização”. As crianças e o povo da cidade começaram a acreditar que fora um espírito do Yuletime, um Julernisse, que trazia os presentes.


            A guarda continuava sua busca pelo rebelde que estava trazendo presentes às crianças e esperança a todo o povo e ao mesmo tempo diminuindo o medo e o poder de lorde Magnus sobre eles. O Barão por sua vez estava desesperado e foi cobrar seu padroeiro sobrenatural, a real razão por trás do trabalho excessivo imposto aos homens que trabalhavam nas minas de Grimsvig. Abaixo das minas, estava presa uma criatura demoníaca que odiava a alegria e que ajudara Magnus a tomar e manter o poder pelos últimos anos. Seu nome era Krampus e ele prometia ao Barão que tão logo fosse completamente libertado garantiria perpetuar Magnus e sua linhagem no poder para sempre.


            Enquanto isso, Klaus consegui se encontrar secretamente com Lady Dagmar e devolver-lhe a esperança em dias melhores. Ela, então, começou a influenciar seu filho mimado, Jonas, a melhorar sua atitude. Klaus também se encontrou com o velho Karl que, junto com Alrik, o havia encontrado na floresta de gelo ainda bebê. Karl ainda trabalhava como membro da guarda da cidade e Klaus prometeu-lhe, em nome dos espíritos do gelo e da floresta, resgatar o significado de sua farda dando uma Festa de Yuletime como não se via há muito tempo.  “E todos estão convidados” disse Klaus.


            Depois de convocar os mineiros para sua festa, Klaus foi atender  o pedido de uma carta. Contudo, quando chegou ao local, descobriu que tinha caído em uma armadilha preparada pelo Barão Magnus.  Ele tentou fugir correndo por toda a cidade murada, mas os guardas estavam todos preparados para enfrentar o lobo-fantasma que entregava presentes com o objetivo de promover uma rebelião contra a tirania. Ferido quase mortalmente, Klaus conseguiu se esconder por um tempo e foi salvo por um menino, filho do antigo taverneiro. O garoto conseguiu conduzir Klaus para além da muralha e chegou à floresta, onde encontrou Lilli. Klaus chegou à sua casa arrastado pela loba assessorada pelo menino e teve apenas tempo de tomar algumas poções curativas, por que logo em seguida sua casa foi cercada por Magnus e seus homens.  Eles feriram sua loba com flechas, amarraram-no no chão de gelo, queimaram sua casa e levaram o menino.


            Diante da situação de Grimsvig, a cidade próxima de Bjorn resolveu intervir para depor o Barão Magnus e mandou uma comitiva e uma tropa para exigir que ele renunciasse. Mas era tarde demais, suficientemente fortalecido pelos desgostos do povo da cidade inflingidos por Magnus, Krampus finalmente se libertara e não havia exército mortal capaz de detê-lo.
O infantofóbico demônio Krampus finalmente dá as caras.
            Amarrado ao chão por horas, Klaus estava prestes a morrer congelado como sua mãe, quando pediu a Lilli que cantasse.  O uivo entoado pela loba invocou os espíritos do gelo e da floresta e eles decidiram que era hora de fazer mais. Com o uso de três runas poderosas colocadas sobre o corpo frio de Klaus, eles criaram um novo servo da magia profunda.

            Krampus estava descontrolado, destruindo tudo em seu caminho e desejo de devorar todas as crianças que encontrasse, acusando-as de serem “Egoístas e gananciosas! Inchadas com doces e balas!” . O monstro demoníaco a essa altura estava tão fora do controle de Magnus que estava prestes a devorar Jonas, o próprio filho do Barão, quando foi interrompido e atacado por Klaus, que ao lado de Lilli, conduzia um poderoso trenó mágico puxado por lobos! Usando todos os seus recursos mágicos, Klaus e Krampus batalharam. Quando o monstro estava para ser derrotado, Magnus interviu atravessando Klaus com uma espada e dizendo ao demônio que era seu aliado e portanto deveria receber seus favores e controla-lo. Krampus, no entanto, não estava disposto a dividir poder e carbonizou Magnus vivo.


            Dagmar tentou se defender sozinha da criatura, mas logo percebeu que Klaus estava vivo e bem.
            “Klaus? Eu vi ele atravessar você com...” disse a Lady de Grimsvig assustada.
            “Alguma coisa aconteceu comigo lá no gelo. A família brilhante me levou até uma casa além das luzes do norte. Não posso mais ser morto. Ainda não sei exatamente o que isso significa. Vamos ver” respondeu Klaus a seu amor de infância partindo em seguida para cima de Krampus e salvando Jonas após decapitar o demônio.

            O Yuletime prometido foi festejado com uma grande árvore de luzes. Lady Dagmar governou Gramsvig como Klaus como seu conselheiro nos anos que se seguiram. O casal criou junto o jovem Jonas que cresceu para se tornar um homem muito mais nobre e honrado que seu pai biológico.
 

            Quando Dagmar morreu de velhice, Klaus decidiu que o Norte do mundo era muito pouco para um homem com seus privilégios servir. Ele partiu para presentear crianças ao redor do planeta, mas prometeu ao novo barão de Grimsvig, Jonas, voltar uma vez por ano “Quando as noites forem longas e os dias ficarem frios. Quando precisarem de uma luz na escuridão”.



            Com personagens e enredo muito bem estruturados e desenvolvidos por Grant Morrison e a arte narrativa maravilhosamente estupenda de Dan Mora, Klaus me fez, pelo menos de uma certa maneira, acreditar em Papai Noel. 







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